domingo, 26 de dezembro de 2010

Projecto Morro no projecto 270 por Filipa Ramos

01 de Junho a 15 de Outubro

O Projecto 270, iniciado em 2005 graças ao trabalho conjunto de Tânia Simões e Nuno Belchior, surge como uma das mais interessantes e descomprometidas iniciativas ao nível da arte contemporânea realizadas recentemente em Portugal. Estabelecendo uma ponte entre práticas artísticas, universo rural e desenvolvimento sustentável, o Projecto 270 tem desenvolvido uma série de actividades em que convidam artistas plásticos a criarem projectos in loco que se articulem com o espaço envolvente e que proponham novas formas de ver a relação entre paisagem rural, natural e criação artística. Situado na Costa da Caparica, numa zona de confim entre espaço urbano, litoral e espaço rural, o Projecto 270 procura gerar uma sensibilização para questões relacionadas com problemáticas ecológicas.

 Este ano, para alem das exposições individuais que têm vindo a promover desde 2005, organizaram o projecto Morro. Desenvolvido por Vasco Costa e Hugo Canoilas a partir das noções de construção, arquitectura popular, das referências históricas do “Merzbau” de Kurt Schwitters e do trabalho de Hélio Oiticica, Morro resulta da colaboração de um grupo de artistas, nacionais e estrangeiros (Pedro Barateiro, Hugo Canoilas, Vasco Costa, Nuno Faria, Teresa Gillespie, André Maranha, Pedro Tropa, Francisco Tropa, Ruben Santiago, Sancho Silva e Miles Thurlow), que criaram conjuntamente uma intervenção artística segundo os princípios da sustentabilidade e sobrepondo as suas linguagens artísticas, conteúdos estéticos e conceptuais.

O resultado final, ainda em curso, será definido pelos meios, derivando das várias tentativas de levar o trabalho existente do último autor para o discurso do seguinte. A partir destas premissas, executou-se o projecto de uma construção de carácter provisório, que parte de uma estrutura base, em que cada participante desenvolve a sua intervenção sobre a do artista anterior, realizando o seu trabalho como um legado deixado ao autor subsequente.
Cada criador desenvolveu o seu projecto durante quinze dias e entre cada intervenção não há qualquer interrupção dos trabalhos, Morro é um work in progress, em constante mutação e evolução. Será posteriormente desenvolvida uma edição em DVD por Nuno Faria e Pedro Tropa em torno deste projecto.

Por um lado, o Morro ecoa particularmente os “Bólides” de Oiticica, objectos inspirados no “construtivismo das favelas”, estruturas feitas a partir de materiais encontrados nas ruas e tradicionalmente utilizados para construir abrigos, como portas e painéis de madeira. A principal ideia dos “Bólides” era a sua penetrabilidade, podendo ser percorridos e ocupados pelos seus visitantes, tornando-se deste modo esculturas interactivas, móveis e mutantes, tal como se observa no elemento construído por estes oito artistas no Morro.

Por outro lado, a “Merzbau”, obra arquitectónica quase religiosa de Schwitters, construída três vezes pelo artista ao longo da sua vida e desenvolvida ao longo de dois principais eixos, o primeiro arquitectónico, consistindo numa estrutura improvisada e irregular e o segundo escultórico, desenvolvido de forma complexa e quase labirintíca que se desdobrava num espaço de recolha e colecção de objectos, retirados à sua circulação funcional. A “Merzbau” era um projecto contínuo, alterado diariamente e adaptável às necessidades específicas de cada situação criada pelo artista.

Assim também o Morro surge como uma dupla forma e função: se por um lado utiliza elementos díspares, encontrados e recuperados de realidades e funções precedentes, por outro recupera, com a sua estrutura aberta e os seus nichos interiores, a ideia de espaço de trabalho e de contentor de outras experiências e actividades, desenvolvida pelo pintor alemão.

Ao longe, a sua estrutura branca e robusta impõe-se na paisagem costeira da Caparica como um elemento surreal, isolado e simultaneamente utilitário, mas cuja função e uso permanecem desconhecidos. Uma enxada flutua, suspensa no ar, a seu lado, como se ecoando uma actividade agrícola interrompida ou simplesmente evocada.

No seu interior, a obra estabelece múltiplos diálogos e possibilidades de interacção, podendo ser vista e utilizada como plataforma protectora, através dos nichos criados no chão nos quais o visitante se pode sentar e abrigar do sol, como o esqueleto de uma estranha arquitectura funcional em desuso ou como uma forma criada para dar de novo vida a uma série de elementos dispersos e desarticulados que foram sendo recuperados pelo caminho e diálogo destes oito artistas ao longo do seu processo criativo. 

A colaboração resultante do "Morro", tal como o seu resultado em curso, deixam bem claro a importância da existência de espaços como o Projecto 270 que, fora do circuito institucional, se assume como plataforma experimental com enormes potenciais sinergéticos e criativos, cujos resultados são surpreendentemente vitais e urgentes no panorama criativo contemporâneo.

Filipa Ramos
Artigo publicado em : www.artecapital.com